quarta-feira, 19 de dezembro de 2012

Tratado dos 10 encontros.


Já não vejo tantos sorrisos, e isso tem, há muito, me desagradado. De certa forma tenho andado sozinho pra me fazer companhia. Pois de preguiça e aversão às vaidades, opto por minh'alma calada e quieta. Preguiça essa que se metamorfoseia ora em reclusão, ora em cansaço. Tenho preferido o silêncio ao invés dessas bocas mimadas, acostumadas a chupetas. Tão cheias de dedos, tão carente de dentes. Pequenos burgueses, que desde a mais remota história da humanidade, nada tem acrescentado à não ser o vazio de suas imbecilidades teóricas. Ah se soubessem andar com suas próprias pernas, se soubessem digerir alimentos não processados. Teriam, em sua mais grave alma, teorias edificantes, diferentes das que costumam abraçar em seu berço, feito pelúcias na tão sagrada hora do sono. Os trovões já não os amedrontariam tanto. Efeito esse que, indecorosamente, trai suas mais ternas máscaras. Conheço bem a alma humana. Não que eu esteja no topo de tudo, no cume do mundo. Mas pela observação empírica e a sagacidade de meu imanetismo, consigo visualizar esses universos dentro de um único ponto de referência. A meu ver, para se conhecer o homem, bastam apenas 10 encontros.
Falaremos aqui neste parágrafo dos manipulated per quid pulchrum est in aliis, ou seja, indivíduos com exuberante inclinação à auto-manipulação inconsciente pelo que é tido como belo nos outros. Beleza essa digna de questionamento. A catarse da beleza, um puro fetiche singular e subjetivo. O totem fálico encontrado entre os aborígines. Os que literalmente sentem-se gozosos com o abrilhantado magnetismo encontrado nas pessoas e nas coisas. Não falo da atração que temos quando, por à caso, encontramos profundas e vastas pessoas, mas sim de toda superficialidade a que somos incitados (roupas, objetos, estilos). Magnetismo esse, que de certa forma, foi imposto pela estrutura organizacional social, ou seja, os gostos vigentes à ilustre e precária época. Encontramos nesse tipo de comportamento o fugaz empréstimo de luz. Sujeitos com sérias tendências lunares, que por falta de auto-conhecimento ou desenvoltura psíquica, somente conseguem brilhar por empréstimo. A companhia de algo ou outrem, tido como belo, o falso estado de poder. Nos dois primeiros encontros, notamos nestes indivíduos a extrema carência afetiva que somente se revela através da fala. Conseqüências, talvez, das inúmeras privações e desgostos que permearam sua conturbada fase infantil. Qual o reflexo disso vocês me perguntariam. Uma vontade de se auto-afirmarem, de se posicionarem diante o mundo brutalmente selecionador. Seus gostos e desejos traem notoriamente sua verdadeira natureza. É o mundo de narcisismos baratos e desejos extremamente fúteis. Não há se quer uma visível construção no campo do psiquismo ou da intelectualidade. São arrebatados por teorias superficiais e conclusões epidérmicas. O que sobra, repito aqui, é a beleza superficial e vazia, a imagética onírica, a falsa impressão de poder. Ao observarmos as subseqüentes análises obtidas dos demais encontros, fica absurdamente explícita a capacidade que esses indivíduos têm de explanar sobre diferentes assuntos. É confortavelmente fácil e apetitoso aguardar o silêncio que virá entre uma prosa e outra. Desconsidero aqui o silêncio maquinal-propulsor, a força motriz para um novo raciocínio. Falo somente do silêncio das infantis almas rasas que sequer conseguem formular uma opinião extremamente subjetiva, mesmo que sutilmente simples, mas verdadeira, acerca de assuntos que realmente alimentam e embelezam a alma. Eis aí sua própria traição: A superficialidade em tudo. (continua)

(Leonardo Schneider)

terça-feira, 18 de dezembro de 2012

Falou amizade


Falou amizade
E por toda cidade ecoa
A letra dos livros voa
Falando amizade
Por toda cidade boa
O sonho já tinha acabado quando eu vim
E cinzas de sonhos desabam sobre mim
Mil sonhos já foram sonhados
Quando nós perguntamos ao passado
Estamos sós?
Mil sonhos serão urdidos na cidade
Na escuridão, no vazio há amizade
A velha amizade
Esboça um país mais real
Um país mais que divino
Masculino, feminino e plural
(Caetano Veloso)







Ela veio sem rastro, nem cheiro. Nunca a esperei. Sempre fora conceito, um emaranhado de fajutas conexões. Mas como é de meu feitio, abri-lhe os meus braços-peito. Sem muita modéstia a acolhi em minha casa, trouxe-a logo pra dentro. Ela me alertou de sua epiderme cascuda, quase impenetrável. Disse-me que não tinha traquejo no quesito explanar-se. Não me importei. Tentei alguns verbos de aproximação, qualquer palavra lubrificante. De início mostrei-lhe a janela dos fundos, as portas de acesso, caso quisesse partir.  Atitude que sinceramente não faria a menor diferença. Por intuição acendi a lareira, dar um tom de aconchego, mostrar-lhe certo respeito e admiração. Preparei nossa cama, travesseiros macios, lençóis limpos, tudo para que ficasse. Não sei o por quê da investida, nunca me deram guarida, nem pedaço de pão. A mão sempre foi mais pesada pra quem só tem sim em seus vocabulários. Descobri o sabor de seu corpo na rapidez dos encontros. A avidez de minha língua a brincar sem pudor, nem regra. Sagaz imanetismo. Viciei-me em sua cor, em sua imprevisibilidade. Seus olhos me fitavam em silêncio, toda minha articulação era observada. Ela posicionada no corner do texto, maliciosa no riso. É no negro vazio do silêncio que a gente percebe os detalhes da vida.


(Leonardo Schneider)

terça-feira, 18 de setembro de 2012

Grávido.

Silêncio!
Não atrapalhe minha gestação.
Vou parir acontecimentos.
Estou grávido de meus sentimentos.
Ando tendo varias contrações.
Silêncio!
Não vai ser de cesária, prometo.
O rebento só quer desaguar.
Nesse mar de folhas em branco, 
Nesse meu turbilhar de palavras ao vento.
Façam silêncio!
Eu sou o pai, a mãe foi o tempo.
E de nossos corpos cruzados, nosso amor pela vida
Darei a luz a essa pequena criança.
Seu nome ja esta decidido.
Vai se chamar "Texto".

(Leonardo Schneider)





quarta-feira, 8 de agosto de 2012

Humildade com "H"

A quantidade na escrita de nada serve.
Essa avidez na palavra fica feito refrigerante.
Feito o ultimo gole, feito diarreia.
Qualquer coisa maldita,
No destrinchar da imagética.
Mil poesias para surdos.
Serve para qualquer contexto.
Serve para qualquer idiota.
Para escrever é preciso punhos, não apenas palavras.
É preciso o mundo diagnosticado,
Não o cansaço na pena.
Não o escrever para emails.
Não o escrever para contextos e páginas.
Mas a observaçao minuciosa.
Mulher amada, amor e paixao são para utópicos.
Escrever um livro são para poucos.
Então senta-te em teu colo e observa-te.
Escrever é arte dos humildes.

(Leonardo Schneider)



Sou eu.

Nos remelexos e apetrechos,
Me arroxo desse jeito, concluo.
Findo-me no escuro
Como qualquer sujeito maduro.
Criança,
Lambança de mim mesmo.
Pareço festança,
Pareço absurdo.
No foco obscuro
Enalteço a luz de meu peito,
Rasgado, obtuso.
Aritmética confusa.
Sem colchetes nem parênteses.
A fórmula mágica de Arquimedes.
Que nada faz, nada traz.
Sou a crase maldita sob todo cavalo.
Sou as lâmpadas que advertem nos caixas de supermercado.

(Leonardo Schneider)

Pichação

Poesia de muro.
Tinta, concreto e brita.
Rabiscar as palavras,
Num desabafo pra esta vida maldita.

(Leonardo Schneider)

Prelúdio de mim mesmo II

Nada é nada, ponto final.
Um medíocre sentimento,
Um acordar com o vento.

(Leonardo Schneider)

segunda-feira, 6 de agosto de 2012

Fase oral insolucionável



Nascera na rua do acaso. Fruto de trepadas mal dadas. Não se sabe ao certo qual delas. Filho das coxas, como dizem as más línguas. Mas mamava e muito. Tetas de putas, brancas, negras e orientais. Até as mendigas faziam fila na porta de sua casa. Todas se ofereciam para ajudar. Mas era insaciável. Sua boca sugava até machucar. Tentaram chupetas, tentaram afastá-lo das tetas, mas foi assim até os cinco anos, quando descobrira o gosto de terra. Um verdadeiro alívio para as mulheres do bairro, pois no jardim de sua casa, como toda criança, fazia bolinhos de mentirinha. Mas devorava-os um a um, sem ninguém para que pudesse reprimi-lo. Quando via os caminhões de areia chegando, com seus montes de terra, para as reformas das casas do bairro, era fartura na certa. Era constantemente visto andando pelas construções. Depois surgira o gosto por plantas. Comia tudo que via. Rosas, samambaias, margaridas, trevos de quatro folhas. As orquídeas, ele me dizia, eram as mais saborosas. Nada o detinha. Sua boca era o seu maior prazer. Esse estranho desejo durou um bom tempo. Já na adolescência, por motivos bastante incertos, resolvera roer unhas. Talvez por ansiedade, fato bem visível nos descontrolados e bombásticos hormônios da puberdade. Ou por afinidade aos diferentes paladares. O cheiro da unha, da carne, suja ou lavada. O certo é que pelas unhas conseguira definir os sabores do mundo. Fato bastante notável para um menino de 14 anos. Terras, muros, paredes de casas, tijolos encostados, maçanetas de carros. Tudo ele distinguia. Gosto de sabonetes, de vasos sanitários, banheiros públicos, portas de armários. Era um verdadeiro deus palato. Nessa época surgira sua maior paixão. O gosto pelas unhas dos pés. A cada nova namorada, o desejo de roer seu dedão. Mas o gosto pelas unhas não ficava para trás. Sabia de cor o gosto de cada menina da escola. O gosto da Gabriela, da Francisca, da Gisele. Até mesmo o gosto da professora Adelaide, que era sua paixão mais secreta. Seguia tocando todas as garotas. Crescera refinando os diversos sabores. 

           Enquanto os garotos da escola se entretinham com a descoberta de cigarros e  bebidas, ele seguia em seu mundo de experiências de gustativas. O gosto por esmaltes tornou-se um vício digno de internação (...)


(Leonardo Schneider)

quarta-feira, 1 de agosto de 2012

Introspecção


Hoje eu quero é o silêncio.
Sobretudo o silêncio das bocas cansadas.
Um silêncio, mórbido e inexistente.
O escuro silêncio que vislumbro no espaço.
Um silêncio que bata com a língua nos dentes.
Um silêncio que mesmo calado, acrescente.
Hoje eu quero o mais sublime silêncio.
O silêncio de tudo que criou nosso mundo.

(Leonardo Schneider)

quinta-feira, 26 de julho de 2012

Respeito


O que está sendo feito
Pode ser de outro jeito
O que já se fez é bem feito
O que está sendo feito
Pode não estar direito
O que passou é perfeito
O que está acontecendo
Pode ter defeito
O que já foi eu aceito
O que está acontecendo
Pode ser de outro jeito
O que passou merece
Respeito


(Arnaldo Antunes)

terça-feira, 24 de julho de 2012

Nosso estranho devir.


-Agora passou! Tudo passa, passou.
-Não é bem assim, e aquilo tudo?
-Também passará! Requer mais um tempo, mas passará.
-Mas quem passa, algo lhe restará?
-Restará o fato de ter passado, como tudo na vida!
-Passado histórico ou ação de passar?
-Passar com seu passado. Acho que isso.
-Feito matéria em decomposição?
-Exato! Feito as passadas de qualquer caminhar, apenas passar.


(Leonardo Schneider)

sábado, 14 de julho de 2012

A primeira vez que entendi o mundo.

A primeira vez que entendi do mundo 
alguma coisa 
foi quando na infância 
cortei o rabo de uma lagartixa 
e ele continuou se mexendo. 

De lá pra cá 
fui percebendo que as coisas permanecem 
vivas e tortas 
que o amor não acaba assim 
que é difícil extirpar o mal pela raiz. 

A segunda vez que entendi do mundo 
alguma coisa 
foi quando na adolescência me arrancaram 
do lado esquerdo três certezas 
e eu tive que seguir em frente. 

De lá pra cá 
aprendi a achar no escuro o rumo 
e sou capaz de decifrar mensagens 
seja nas nuvens 
ou no grafite de qualquer muro.



(Affonso Romano de Sant'Anna)

quinta-feira, 12 de julho de 2012

O que há em mim é sobretudo cansaço



O que há em mim é sobretudo cansaço
Não disto, nem daquilo,
Nem sequer de tudo ou de nada:
Cansaço assim mesmo, ele mesmo,
Cansaço.

A sutileza das sensações inúteis,
As paixões violentas por coisa nenhuma,
Os amores intensos por o suposto alguém.
Essas coisas todas -
Essas e o que faz falta nelas eternamente -;
Tudo isso faz um cansaço,
Este cansaço,
Cansaço.

Há sem dúvida quem ame o infinito,
Há sem dúvida quem deseje o impossível,
Há sem dúvida quem não queira nada -
Três tipos de idealistas, e eu nenhum deles:
Porque eu amo infinitamente o finito,
Porque eu desejo impossivelmente o possível,
Porque eu quero tudo, ou um pouco mais, se puder ser,
Ou até se não puder ser...

E o resultado?
Para eles a vida vivida ou sonhada,
Para eles o sonho sonhado ou vivido,
Para eles a média entre tudo e nada, isto é, isto...
Para mim só um grande, um profundo,
E, ah com que felicidade infecundo, cansaço,
Um supremíssimo cansaço.
Íssimo, íssimo. íssimo,
Cansaço...

                      Álvaro de Campos

terça-feira, 10 de julho de 2012

Poema

Todas as cartas de amor são
Ridículas.
Não seriam cartas de amor se não fossem
Ridículas.

Também escrevi em meu tempo cartas de amor,
Como as outras,
Ridículas.

As cartas de amor, se há amor,
Têm de ser
Ridículas.

Mas, afinal,
Só as criaturas que nunca escreveram
Cartas de amor
É que são
Ridículas.

Quem me dera no tempo em que escrevia
Sem dar por isso
Cartas de amor
Ridículas.

A verdade é que hoje
As minhas memórias
Dessas cartas de amor
É que são 
Ridículas.

(Todas as palavras esdrúxulas,
Como os sentimentos esdrúxulos,
São naturalmente
Ridículas).

           Álvaro de Campos

terça-feira, 3 de julho de 2012

Mudo no mundo

Mudo.
Depois de hoje, 
Depois de tudo.
Eu queria a palavra.
Eu queria era o som.
Mundo.
Hoje eu o carrego de volta,
Hoje eu o carrego de burro.
De ti já não espero mais nada.
De ti já não espero o absurdo.


(Leonardo Schneider)



sexta-feira, 15 de junho de 2012

Do Pensar por si


Uma biblioteca pode ser muito grande, mas desordenada não é tão útil quanto uma pequena e bem organizada. Do mesmo modo, um homem pode possuir uma grande quantidade de conhecimento, mas se não o tiver trabalhado em sua mente por si, tem muito menos valor que uma quantidade muito menor que foi cuidadosamente considerada. Pois é somente quando um homem analisa aquilo que sabe em todos os aspectos, comparando uma verdade com outra, que se dá conta por completo de seu próprio conhecimento e adquire seu poder. Um homem só pode ponderar a respeito daquilo que sabe — portanto, deveria aprender algo; todavia, um homem só sabe aquilo sobre o que ponderou.
Ler e aprender são coisas que qualquer indivíduo pode fazer por seu próprio livre-arbítrio — mas pensar não. O pensar deve ser incitado como o fogo pelo vento; deve ser sustentado por algum interesse no assunto em questão. Esse interesse pode ser puramente objetivo ou meramente subjetivo. O último existe em questões que nos dizem respeito pessoalmente. O interesse objetivo encontra-se somente nas cabeças que pensam por natureza, para as quais pensar é tão natural quanto respirar — mas são muito raras; por isso há tão pouco dele na maioria dos homens do conhecimento.
A diferença entre o efeito do pensar por si e da leitura sobre a mente é incrível. Por isso está continuamente desenvolvendo a diferença original na natureza de duas mentes, que leva uma a pensar e a outra a ler. Ler força pensamentos alheios sobre a mente — pensamentos que são alheios ao estado e temperamento em que esta possa estar no momento, como o selo está para a cera, na qual estampa sua marca. A mente, deste modo, está inteiramente sob compulsão externa; é levada a pensar isto ou aquilo, apesar de que, no momento, talvez não tenha o menor impulso ou inclinação de fazê-lo.
Mas quando um homem pensa por si, segue o impulso de sua própria mente — seja pelo seu ambiente ou alguma lembrança particular determinada pelo momento. O mundo visível do ambiente de um homem não imprime — como a leitura faz — um único pensamento definido sobre sua mente, mas apenas o proporciona o material e a ocasião que o levam a pensar naquilo que é apropriado à sua natureza e temperamento presentes. Por esse motivo, muita leitura retira toda a elasticidade da mente; é como manter uma fonte continuamente sob pressão. Se um homem não quer pensar por si, o plano mais seguro é pegar um livro toda vez que não tiver nada para fazer. É esta prática que explica por que erudição torna a maior parte dos homens mais estúpidos e tolos do que são por natureza, e previnem que seus escritos obtenham qualquer nível de sucesso. Estes permanecem, como o papa disse, “Para sempre lendo, nunca para serem lidos” [Dunciad iii. 194].
Homens do conhecimento são aqueles que leram páginas de livros. Pensadores e homens de gênio são aqueles que foram diretamente ao livro da Natureza; foram estes que esclareceram o mundo e levaram a humanidade um passo adiante. De fato, apenas os pensamentos fundamentais de um homem têm veracidade e vida em si, pois estes são os únicos que compreende realmente e completamente. Ler os pensamentos de outrem é como recolher os restos de uma refeição para a qual não fomos convidados ou colocar as roupas que um estranho abandonou. O pensamento que lemos está para o pensamento que surge em nós assim como a impressão fossilizada de alguma planta pré-histórica está para uma planta florescendo na primavera.
Ler não é mais que um substituto para o pensar por si; significa permitir que sejam colocadas guias nos pensamentos. Ademais, muitos livros servem apenas para demonstrar quantos caminhos errôneos existem, e quão amplamente um homem pode ser descaminhado se se permitir guiar por estes. Mas aquele que é guiado pelo seu gênio, aquele que pensa por si, que pensa espontaneamente e precisamente, possui a única bússola pela qual pode se orientar corretamente. Portanto, um homem somente deveria ler quando a fonte de seus pensamentos estagnam — algo que ocorre frequentemente mesmo com as melhores mentes. Por outro lado, pegar um livro com o propósito de afugentar os próprios pensamentos é um pecado contra o Espírito Santo. É como fugir da Natureza para observar um museu de plantas secas ou estudar uma bela paisagem em uma gravura.
Um homem pode ter alcançado alguma verdade ou sabedoria após ter devotado um grande tempo pensando por si sobre o assunto, interligando seus vários pensamentos, quando poderia ter encontrado o mesmo em um livro, poupando-o desse esforço. Mesmo assim, é cem vezes mais valioso que tenha o alcançado pensando por si. Pois é apenas quando alcançamos nosso conhecimento desse modo que este se introduz como uma parte integral, como um membro vivo no todo de nosso sistema de pensamento; que permanece em uma relação forte e completa com aquilo que sabemos; que é compreendido cabalmente com todas as suas implicações; que carrega a cor, a precisa sombra, a marca distintiva de nosso próprio modo de pensar; que chega precisamente na hora certa — quando dele sentimos necessidade; que se estabelece rapidamente e não pode ser esquecido. Esta é a perfeita aplicação — ou melhor, interpretação — do conselho de Goethe, de ganharmos nossa herança para que possamos realmente possui-la:
“O que homem herda só o pode chamar seu quando o utiliza.”
[“Was du ererbt von deinen Vätern hast
Erwirb es um es zu besitzen.” Faust I. 329.]
O homem que pensa por si forma suas opiniões e apenas posteriormente aprende as autoridades sobre estas, quando servem somente para fortalecer sua crença nelas e em si. Mas o filósofo livresco parte das autoridades; lê os livros de outrem, coleta suas opiniões, e assim constitui um todo para si — de tal forma que se assemelha a um autômato, cuja composição não compreendemos. Contrariamente, aquele que pensa por si se empenha como um homem vivente feito pela Natureza. A mente pensante é alimentada pelo ambiente, a qual então forma e dá origem à sua criação.
A verdade que foi aprendida meramente como um membro artificial, um dente falso, um nariz de cera — ou, no melhor caso, um nariz feito de carne de outrem — adere em nós apenas porque foi encaixada; mas a verdade obtida através do próprio pensamento é como um membro natural — pertence-nos por si só. Esta é a diferença fundamental entre o pensador e o mero homem do conhecimento. Deste modo, as aquisições intelectuais do homem que pensa por si são como uma pintura refinada cheia de vida — na qual a luz e a sombra estão corretas, o tom é contínuo e a cor perfeitamente harmonizada. Por outro lado, as aquisições intelectuais do mero homem do conhecimento são como uma grande paleta cheia de todos os tipos de cores que, no máximo, estão organizadas sistematicamente, mas sem harmonia, relação e significado.
Ler é pensar com a cabeça de outrem em vez da própria. Pensar por si é esforçar-se para desenvolver um todo coerente — um sistema, mesmo que não seja estritamente completo; nada atrapalha mais esse objetivo que fortalecer a corrente de pensamento de outrem, como acontece por meio da leitura contínua. Esses pensamentos, surgindo cada qual de mentes distintas, pertencentes a diferentes sistemas, trazendo diferentes cores, nunca confluem para um todo intelectual; nunca constituem uma unidade de conhecimento, insight ou convicção; pelo contrário, abarrotam a mente com uma confusão babilônica de línguas. Consequentemente, a mente sobrecarrega-se de pensamentos alheios, perdendo toda a clareza conceitual e tornando-se predominantemente desorganizada. Esse estado de coisas é observável em muitos homens do conhecimento, o que os torna inferiores em compreensão sólida, julgamento correto e diplomacia prática a muitos indivíduos iliteratos que, por meio da experiência, conversação e alguma leitura, adquiriram um modesto conhecimento independentemente — e sempre o fizeram subordinado e incorporado aos seus próprios pensamentos.
O verdadeiro pensador científico faz o mesmo que esses indivíduos iliteratos, mas em uma escala muito maior. Mesmo necessitando de muito conhecimento e tendo de ler bastante, sua mente é poderosa o suficiente para dominar isso tudo — assimilá-lo e incorporá-lo ao seu sistema de pensamento, e assim subordiná-lo à unicidade orgânica de sua compreensão que, apesar de vasta, está sempre crescendo. Por meio desse processo seu pensamento, como o grave em um órgão, sempre domina tudo e nunca se perde entre os outros tons, como acontece com mentes que estão repletas de conhecimentos antiquados — onde todos os tipos de passagens musicais se misturam e o tom fundamental perde-se completamente.
Aqueles que passaram suas vidas lendo e obtiveram seu conhecimento de livros são como pessoas que conseguiram informações precisas sobre um país a partir da descrição de muitos viajantes. Tais pessoas podem falar muito sobre muitas coisas; mas, em seu íntimo, não têm um conhecimento conectado, claro e profundo da verdadeira condição do país. Aqueles que passaram suas vidas pensando são como os próprios viajantes; apenas estes sabem de fato do que estão falando — compreendem o assunto inteiramente e nisso sentem-se em casa.
O pensador está para o filósofo livresco assim como a testemunha ocular está para o historiador; o primeiro fala a partir de sua própria compreensão direta do assunto. É esse o motivo pelo qual todos aqueles que pensam por si, no fundo, chegam em grande parte às mesmas conclusões; quando divergem, isso ocorre porque adotam diferentes pontos de vista — e quando esses não afetam a questão, todos falam o mesmo. Estes simplesmente exprimem o resultado de sua compreensão objetiva das coisas. Há muitas passagens em minhas obras que apenas concedi ao público após alguma hesitação devido à sua natureza paradoxal; posteriormente tive a agradável surpresa de encontrar as mesmas opiniões registradas nos trabalhos de grandes homens de épocas anteriores.
O filósofo livresco meramente relata o que um indivíduo disse e o que outro quis dizer, ou as objeções levantadas por um terceiro, e assim por diante. Compara opiniões distintas, pondera, critica e tenta chegar à verdade da questão; nesse aspecto, assemelhando-se ao historiador crítico. Tentará, por exemplo, descobrir se Leibnitz foi por algum tempo um seguidor de Spinoza, e questões dessa natureza. O estudante curioso de tais assuntos encontrará exemplos notáveis do que quero dizer no Analytical Elucidation of Morality and Natural Right [Elucidação Analítica da Moralidade e do Direito Natural] de Herbart e no Letters on Freedom [Cartas sobre a Liberdade] do mesmo autor. É surpreendente que tal homem dê-se esse tipo de trabalho; pois é evidente que se houvesse fixado sua atenção no assunto teria logo apreendido seu objeto pensando por si. Mas há uma pequena dificuldade a ser superada — isso não depende de nossa vontade. Um homem sempre pode sentar-se e ler — mas não pensar. Pensamentos são como homens: não podemos invocá-los segundo nossa vontade — temos de esperar que venham. O pensamento sobre um assunto deve manifestar-se espontaneamente como uma feliz e harmoniosa combinação de estímulos externos com o temperamento mental e a atenção; e é justamente isso que nunca parece acontecer com tais pessoas.
Esta verdade pode ser ilustrada pelo que acontece em questões que concernem nosso interesse próprio. Quando é necessário chegar a uma resolução numa questão desse gênero, não podemos simplesmente sentar a qualquer momento, considerar as razões do caso e chegar a uma conclusão; pois, se tentamos fazê-lo, frequentemente nos vemos incapazes, naquele momento particular, de manter nossa mente focada naquele assunto; esta vagueia a outras coisas; um repúdio pelo assunto às vezes é responsável por isso. Em tal caso, não devemos usar a força, mas aguardar que o estado mental adequado manifeste-se por si só; com frequência este chega inesperadamente e mesmo repete-se; e a variedade de temperamentos nos quais o analisamos em diferentes momentos sempre coloca o assunto sob uma nova luz. Este é um longo processo que é compreendido pelo termo resolução madura. Pois a tarefa de chegar a uma conclusão precisa ser distribuída; no processo, muito daquilo que foi ignorado em um momento nos ocorre em outro; o repúdio desaparece quando percebemos — como ocorre comumente numa inspeção mais minuciosa — que as coisas não são tão ruins quando pareciam à primeira vista.
Esta regra aplica-se à vida do intelecto assim como às questões práticas — o homem deve aguardar pelo momento certo; nem a maior das mente é capaz de pensar por si todas as vezes. Portanto, uma grande mente faz bem em gastar seu tempo livre com leitura que, como disse, é um substituto para o pensamento próprio; novos materiais são importados à mente ao permitirmos que outrem pense por nós, apesar de que isso sempre seja feito de um modo distinto do nosso. Assim, um homem não deve ler em demasia a fim de que sua mente não se torne acostumada ao substituto e, consequentemente, esqueça a realidade; a fim de que não se acostume a seguir caminhos que já foram trilhados, seguindo um curso de pensamento alheio e esquecendo o próprio. De maneira nenhuma um homem deveria desviar sua atenção do mundo real em prol da leitura, pois o impulso e o estado que levam alguém a pensar por si procedem muito mais frequentemente do mundo da realidade que do mundo dos livros. A vida real que um homem vê diante de si é o objeto natural do pensamento; e, em sua força como elemento primário da existência, pode com a maior facilidade incitar e influenciar a mente pensante.
Após essas considerações, não será surpreendente que um homem que pensa por si pode ser facilmente diferenciado do filósofo livresco pelo próprio modo como fala, pela sua acentuada honestidade e a originalidade, retidão e convicção pessoal que marcam todos seus pensamentos e expressões. O filósofo livresco, por outro lado, deixa evidente que tudo nele é de segunda mão; suas ideias são como uma coleção de farrapos coletados de todos os cantos; mentalmente, é vagaroso e sem sentido — uma cópia de uma cópia. Seu estilo literário é repleto de frases convencionais, ou melhor, vulgares, e termos correntes; neste particular, assemelha-se muito a um pequeno Estado onde todo o dinheiro em circulação é estrangeiro, pois não há cunhagem própria.
A mera experiência toma o lugar do pensamento com a mesma precariedade da leitura. O simples empirismo está para o pensamento assim como comer está para a digestão e assimilação. Quando a experiência alardeia que sozinha, por meio de suas descobertas, promoveu o avanço do conhecimento humano, está a proceder como uma boca que alega possuir todo o crédito por manter a saúde do corpo.
Os trabalhos das mentes realmente capazes se diferenciam pelo caráter de decisão e definição pelos quais se livram da obscuridade. Uma mente realmente capaz sempre sabe precisamente e claramente aquilo que deseja expressar — seja na forma de prosa, verso ou música. Outras mentes deixam a desejar em termos de decisão e clareza, e assim podem ser prontamente identificadas pelo que são.
O sinal característico de uma mente de primeira ordem é a retidão de seu julgamento — sempre julga em primeira mão. Tudo que profere é resultado do pensamento próprio; e isso se mostra patente pelo modo como exprime seus pensamentos. Tal mente é como um príncipe — no reino do intelecto sua autoridade é imperial, enquanto a autoridade das outras mentes é meramente delegada, como pode ser visto pelo seu estilo, que não tem um traço próprio.
Deste modo, todo aquele que realmente pensa por si é como um monarca — sua posição é absoluta, não reconhece ninguém acima de si. Seus julgamentos, como decretos reais, advêm de seu próprio poder soberano e procedem diretamente dele. Aceita a autoridade tão pouco quanto um monarca admite um comando; nada é válido a não ser que tenha autorizado pessoalmente. Por outro lado, a multidão de mentes vulgares, influenciadas por todos os tipos de opiniões populares, autoridades e preconceitos são como as pessoas que, em silêncio, obedecem a lei e aceitam ordem de superiores.
Aqueles que são ávidos e impacientes por resolver questões polêmicas citando autoridades realmente se satisfazem quando conseguem colocar a compreensão e o insight de outrem no campo — no lugar de seus próprios, que são precários. Seu número é legionário. Pois, como Sêneca diz, todos homens preferem acreditar a exercitar o julgamento — unusquisque mavult credere quam judicare. Em suas controvérsias, tais pessoas comumente fazem um uso promíscuo do artifício da autoridade — atacam-se mutuamente com esta. Se alguém se envolver em tal disputa, não obterá sucesso utilizando a razão e argumentação como defesa; pois contra uma arma desse gênero essas pessoas são como Siegfrieds*1 com pele espinhosa, submersos numa enchente de incapacidade de pensar e julgar. Estes atacarão levantando suas autoridades na tentativa de rebaixar o adversário — argumentum ad verecundiam [apelo à autoridade], e então gritam victoria.
No mundo real, seja este justo, favorável e agradável como for, sempre vivemos sujeitos à lei da gravidade, a qual temos de superar constantemente. Mas no mundo intelectual somos espíritos livres, sem o controle da lei da gravidade e livres da penúria e aflição. Por essa razão não há felicidade na terra como aquela que, no momento propício, uma mente refinada e frutuosa encontra em si.
A presença de um pensamento é como a presença da mulher amada. Imaginamos que nunca esqueceremos esses pensamentos nem nos tornaremos indiferentes à amada. Mas fora da vista, fora da mente! O pensamento mais refinado corre o risco de ser irrecuperavelmente esquecido se não for anotado, e a amada de ser abandonada se com esta não nos casarmos.
Há muitos pensamentos que são valiosos ao homem que os pensa; mas poucos deles têm força para produzir uma ação repercussiva ou reflexiva — isto é, ganhar a simpatia do leitor após ter sido colocado no papel.
Mas não se deve esquecer que o verdadeiro valor está apenas no que um homem pensou diretamente para seu próprio caso. Pensadores podem ser classificados da seguinte forma: aqueles que predominantemente pensam para seu próprio caso e aqueles que pensam para o caso de outrem. Os primeiros são os genuínos pensadores independentes — estes de fato pensam e são de fato independentes; são os verdadeiros filósofos — somente estes a sério; o prazer e a felicidade de sua existência consiste em pensar. Os outros são sofistas; desejam parecer aquilo que não são, e buscam sua felicidade naquilo que esperam receber do mundo — é nisso que consiste sua seriedade. Pode-se ver a qual das duas classes um homem pertence através de todo o seu estilo e conduta. Lichtenberg é um exemplo da primeira classe, enquanto Herder obviamente pertence à segunda.
Quando alguém considera quão vasto e quão próximo de nós está o problema da existência — esta nossa equívoca, atormentada, fugaz e onírica existência —, tão vasto e próximo que tão rapidamente quanto alguém o percebe, este ofusca e obscurece todos os outros problemas e objetivos; e quando alguém vê como todos os homens — com poucas e raras exceções — não têm uma consciência clara do problema — ou melhor, mal percebem sua presença —, mas ocupam-se com tudo, menos isso, e vivem a pensar somente para o dia presente e dificilmente para além da duração de seu futuro pessoal, enquanto explicitamente desistem do problema ou estão prontos para aceitá-lo com o auxílio de algum sistema metafísico popular, satisfazendo-se com isso; quando alguém reflete sobre isso, pode adotar a opinião de que o homem só pode ser considerado um ser pensante num sentido muito remoto, e assim não sentir qualquer surpresa especial ante quaisquer traços de irreflexão ou tolice humanas; mas sabendo que, até certo ponto, a amplitude da visão intelectual de um homem normal de fato supera a do animal — cuja existência inteira assemelha-se a um presente contínuo sem qualquer consciência do futuro ou do passado —, mas não numa distância imensurável como normalmente se supõe.
Isso é, de fato, corroborado pelo modo como a maior parte dos homens conversa; vemos que seus pensamentos são podados, tornando impossível que desenvolvam a linha de seu discurso em qualquer sentido.
Se esse mundo fosse povoado por seres realmente pensantes, o barulho de todo tipo não seria permitido até limites tão generosos, como é o caso com a maioria de suas formas horríveis e ao mesmo tempo inúteis.*2 Se a Natureza tivesse feito o homem para pensar, não lhe teria dado ouvidos; ou lhe teria equipado com abas de isolamento acústico — que são as invejáveis posses do morcego. Mas, na verdade, o homem é um pobre animal como o resto, e suas capacidades têm o único propósito de mantê-lo na luta pela existência; deste modo, precisa manter seus ouvidos sempre abertos para anunciar, dia e noite, a aproximação do perseguidor.

(Arthur Schopenhauer)

sexta-feira, 8 de junho de 2012

Monólogo em terceira pessoa para um amigo querido. (Parte I)


Meia-noite

Toda noite sentava sozinho na mesma mesa, puxava o cinzeiro para perto e fumava. Fumava com avidez, feito criança que não larga a chupeta. A vida transcorria normalmente em sua frente, monótono e tedioso cotidiano.  Carros, fumaças e as buzinas misturavam-se entre os transeuntes que passavam. Gente de todos os tipos. Jovens, velhos, homens e mulheres, indo ou voltando de algum lugar, mas seu lugar era aquele, sempre a mesma cadeira, a mesma mesa. Tinha gosto por aquilo, prazer em seu silêncio. Observava tudo nos mínimos detalhes. As rachaduras da calçada, os sapatos que a pisavam, as barras das saias costuradas, as pernas das mulheres. Gostava de mulheres, apesar de na mais terna infância, descobrir o sexo num troca-troca. Coisas de criança. Ah, a infância! Lembrava dos abraços calorosos da avó, os peitos enormes a lhe roçar a face, a roupa cheirando naftalina. Lembrava das tardes infindáveis, a correr atrás da bola e a brincar na enxurrada. Procurava entreter-se com seus pensamentos, mas a inquietude corpórea era enorme, era o diabo a atentar seu próprio corpo. As mãos se tocavam a todo instante, os dedos cruzavam-se, suados. Não conseguia ficar parado. Era doentio. Mesmo assim preferia a solidão de sua mesa à qualquer companhia. Adquiriu a extrema repulsa dos diálogos intermináveis de rodas de bar. Posso sentar? No meu colo? Grosso! Obteve diploma de pugilista na escola. Batia em tudo que se mexia, não tinha a mínima piedade. Me da um trocado, tio? Desapareça da minha frente, abutrezinho de merda! Sua truculência era invejável. Cruzava as pernas como quem cruza avenidas, olhava pros lados. Mais um chope, Adailton! Claro ou escuro? Escuro! Adaílton sempre o aguardava, no mesmo horário. Mas a meia noite em ponto deixava o recinto, sem olhar para trás. Era um compromisso. A saidera? Adaílton nunca obtivera resposta. Partia como se nunca tivesse ido. Sua mesa sempre à espera, seu cinzeiro. Adaílton era o único que conseguira desenvolver um dialogo duradouro. Sua mesa esta pronta, doutor! O de sempre ou deseja algo diferente? Meia noite era o horário. Esposa? Ninguém sabia. Família? Muito menos. Era mesmo indecifrável. (continua amanha) 


Leonardo Schneider

terça-feira, 22 de maio de 2012

Razão cibernética


Meu cérebro eletrônico precisa de back up,
Limpezas no disco rígido.
Apagar as inutilidades guardadas sem carinho.
Todos os textos e as imagens sem sentido,
Uma breve formatação do que fui acumulando sozinho.
Preciso de um anti-vírus pra dias chuvosos,
Evitar toda gripe contida nos links,
Ter atenção para os sites, os spams e os spywares.
Atentar-me e resguardar-me de sujeitos nocivos.
Meu cérebro eletrônico precisa ser limpo,
Bem acomodado e não exposto muito ao sol.
Lugares arejados, livres das antigas poeiras,
Livre de tudo que pode ou poderá 
Comprometer o meu sistema operacional.
Meu cérebro eletrônico é tudo o que tenho
É o que me mantem vivo.
É a parte que separa na lixeira
Todo esse joio do trigo.

(Leonardo Schneider)

segunda-feira, 21 de maio de 2012

O buraco do mundo






Findo-me aqui no buraco do mundo.
No silêncio do escuro tateio as paredes,
sujo minhas mãos com ignorâncias.
Não há nada além do vazio, frio, sordidez.
No buraco do mundo esta todo o absurdo
que carrego feito cruz.
Minha lamaçal condição.
Minha simianista certeza.

(Leonardo Schneider)



domingo, 20 de maio de 2012

Autorização


Permite que sua imagem seja usada? Permito. Que sua voz seja ouvida? Permite que seus pensamentos se transformem em palavras? Que seu pau entre no corpo dela, dessa daí, permite? Permite que ela solte gemidos estridentes por causa disso? Permite a asma noturna? Que paguem dinheiro por seu trabalho? Permite a coruja? Que toquem tua pele? A água salgada nos olhos? Permito, permito. Permite que a luz inche tua pupila, que a bexiga se esvazie, permite uma expressão de alívio nessa hora, permite? Permite não saber por que, nem quando, nem onde, apenas que, apenas quê? Permite que com certeza, com certeza, que a luz se apague mas tão distante, permite que a todos os que conhece e ama e admire aconteça exatamente o mesmo? Permito. Permite debaixo da terra? Permito. Permite a decomposição? Permito. Permite uma pergunta, uma única pergunta? Permite aqui, permite quando? Permite essa merda? Uma esmola? Uma segunda chance? Um cigarro? Uma moeda? Permite que te julguem, dando nota? Permite que nunca? Permite o cachorro ganindo? Permite ouvir dizer, ouvir falar, cuspir na cara, gozar na boca, uma risada? Permite? Permito. Tem minha permissão para isso tudo. Que o sábio te explique, o poeta te metrifique, o cansaço te encha de sono? Permite uma rua? Permite a montanha? A ratazana? Permite o lajedo? Essa lua? Permito, permito. 


(Nuno Ramos)

segunda-feira, 14 de maio de 2012

Prelúdio de mim mesmo I

Num silêncio, o que carregamos são montanhas.
Desde que nascemos.
Desde o princípio dos tempos.

(Leonardo Schneider)

Pensamento

Pensamento vem de dentro,
Vem de fora,
Vem com o vento.
Pensamento que não quero.
Por que pensas, tão somente, desse jeito?
Pensamento saia logo,
Vá embora como veio.
Pensamento que anoitece,
Por que insistes em pensar, obsessivo pensamento?

(Leonardo Schneider)

Nós





Difícil falar.
Eu e você somos o tudo e o nada,
Ou qualquer coisa que tarda,
Qualquer coisa que mede.
O simples limiar entre tudo que se encerra,
Tudo que basta,
Tudo que falta.
Somos a fome e o jantar.
Somos o ápice da festa.
O chute no tempo,
A palavra contida,
O amor reprimido, doído.
Somos a vida.
O aqui e o agora,
O infinito da História.
Somos o elo perdido,
Almejado, buscado.
mas se quiseres o que tenho no lado esquerdo, meu bem.
Terá que fazer passo à passo,
Como sempre tem feito.
Do meu sorriso, um abraço.
Do seu amor,
O máximo dos máximos.


(Leonardo Schneider)



domingo, 15 de abril de 2012

Eu juro!




Partiu sem dizer nada
Do jeito que veio.
Doeu feito faca.
Eu juro!
Eu chorei, tu chorou.
Pequenino ficou.
Era a estrada, era nada.
Era tudo, era a festa,
Era riso arco-iris.
Era o simples que resta;
Nada nos bastava.
Pelo menos eu acho.
no capricho compasso.
Teu sorriso ficou,
E eu queria  seu tudo.
Sua migalha enrustida.
No abraço, compasso de quem sabe da vida.


(Leonardo Schneider)

sábado, 24 de março de 2012

Curitibas

     




Conheço esta cidade 
como a palma da minha pica.
      Sei onde o palácio 
sei onde a fonte fica,

      Só não sei da saudade 
a fina flor que fabrica.
      Ser, eu sei. Quem sabe, 
esta cidade me significa. 



(Paulo Leminski)

quinta-feira, 22 de março de 2012

O poeta



Olhos que recolhem
Só tristeza e adeus
Para que outros olhem
Com amor os seus.


Mãos que só despejam
Silêncios e dúvidas
Para que outras sejam
Das suas, viúvas.


Lábios que desdenham
Coisas imortais
Para que outros tenham
Seu beijo demais.


Palavras que dizem
Sempre um juramento
Para que precisem
Dele, eternamente.


(Vinicius de Moraes)

quarta-feira, 21 de março de 2012

Outra parte

Outra vida, outra arte.
Assim me fez parte,
Parte de mim, metade da parte.
Ou será a quintessência dessa nobre arte?
A vida que parte,
Metade de mim, metade da parte.
Outra parte ficou,
A arte da vida que parte e reparte.

(Leonardo Schneider)

segunda-feira, 6 de fevereiro de 2012

La dolce vita


Amiga-irmã,
Quando éramos pequenos
Nossas tardes voavam.
Passávamos horas a andar de bicicleta.
A vida tinha cheiro de bananeira.
Era um sentimento adocicado,
Feito almoçar pra comer sobremesa.
Quando éramos pequenos,
Só tínhamos medo do velho homem da trilha.
Em tudo mais, era pura fantasia.
Lanchinhos com as vovós,
Docinhos com as titias.
Estórias sobre fantasmas
E à noitinha, filmes, pipocas,
Brigadeiros, patins.
Esse era o nosso Recanto mirim.
Havia tanta harmonia
Entre você, eu, Débora e Priscila.
Alissa sempre por perto,
Não podemos esquecer
Do paquito e do Titi Macumbeiro.
Amigos queridos que carrego comigo.
São tantas as lembranças
De nossas andanças,
De nossas tristezas,
Das coisinhas miúdas.
Que fica impossível duvidar,
Questionar ou esquecer
Tamanha certeza.
De que nossas amizades
Formaram-se quando Deus
Decidiu criar toda natureza.


(Leonardo Schneider)

quarta-feira, 25 de janeiro de 2012

Para iletrados


Parto e reparto meu quarto.
Reduto dos dutos de minha cabeça.
à beça me sinto voraz,
Respiro os ais de toda existência.
Fragmento no teto todo pensamento.
Ascendo incensos no apartamento.
Vasculho nos cantos, nas frestas bem sujas.
Qualquer movimento é indício de vento.
Poesia imunda, poesia corcunda.
Endireite sua forma, mesmo que absurda.
Te arrumo no peito,  cataliso seu jeito.
Mas se houver qualquer regra mudamos de assunto.

(Leonardo Schneider)

sexta-feira, 20 de janeiro de 2012

Desnudo


Escrevo assim sem saber.
Não busco formas, sintaxes, verbos pomposos, adjetivos.
Meu dom de falar sobrepôs aos ouvidos.
Gosto é da letra preta, no papel, gravada, manchada.
Sou a boca fechada atras da palavra.
Busco nos cantos da sala, nas arquiteturas,
nas cores do dia.
Meu recanto, meu refúgio carece de prática.
Sou a suástica e meu próprio regime.
Avante na marcha, minha caneta, meu vasto vazio.

(Leonardo Schneider)


segunda-feira, 16 de janeiro de 2012

Diário de quem fica.



Ah, querida wilbinha!!
Que bom que voltaste.
A saudade era tanta
e por mais que eu tentasse
de nada adiantava.
Era tu que faltava!
Procurei pela cidade
Sua sinceridade,
Foi em vão.
Saí pelas praças e bares 
Procurando a nossa amizade,
Pura ilusão.
O seu passo valente e a sua coragem eu nem procurei.
Pois descobri que tinhas levado tudo consigo,
para Bogotá, Machu Picchu ou para Quito.
O mais lindo presente que ja recebi.
Esse gigante universo que, na mala, trouxe para mim.

(Leonardo Schneider)