quarta-feira, 19 de dezembro de 2012

Tratado dos 10 encontros.


Já não vejo tantos sorrisos, e isso tem, há muito, me desagradado. De certa forma tenho andado sozinho pra me fazer companhia. Pois de preguiça e aversão às vaidades, opto por minh'alma calada e quieta. Preguiça essa que se metamorfoseia ora em reclusão, ora em cansaço. Tenho preferido o silêncio ao invés dessas bocas mimadas, acostumadas a chupetas. Tão cheias de dedos, tão carente de dentes. Pequenos burgueses, que desde a mais remota história da humanidade, nada tem acrescentado à não ser o vazio de suas imbecilidades teóricas. Ah se soubessem andar com suas próprias pernas, se soubessem digerir alimentos não processados. Teriam, em sua mais grave alma, teorias edificantes, diferentes das que costumam abraçar em seu berço, feito pelúcias na tão sagrada hora do sono. Os trovões já não os amedrontariam tanto. Efeito esse que, indecorosamente, trai suas mais ternas máscaras. Conheço bem a alma humana. Não que eu esteja no topo de tudo, no cume do mundo. Mas pela observação empírica e a sagacidade de meu imanetismo, consigo visualizar esses universos dentro de um único ponto de referência. A meu ver, para se conhecer o homem, bastam apenas 10 encontros.
Falaremos aqui neste parágrafo dos manipulated per quid pulchrum est in aliis, ou seja, indivíduos com exuberante inclinação à auto-manipulação inconsciente pelo que é tido como belo nos outros. Beleza essa digna de questionamento. A catarse da beleza, um puro fetiche singular e subjetivo. O totem fálico encontrado entre os aborígines. Os que literalmente sentem-se gozosos com o abrilhantado magnetismo encontrado nas pessoas e nas coisas. Não falo da atração que temos quando, por à caso, encontramos profundas e vastas pessoas, mas sim de toda superficialidade a que somos incitados (roupas, objetos, estilos). Magnetismo esse, que de certa forma, foi imposto pela estrutura organizacional social, ou seja, os gostos vigentes à ilustre e precária época. Encontramos nesse tipo de comportamento o fugaz empréstimo de luz. Sujeitos com sérias tendências lunares, que por falta de auto-conhecimento ou desenvoltura psíquica, somente conseguem brilhar por empréstimo. A companhia de algo ou outrem, tido como belo, o falso estado de poder. Nos dois primeiros encontros, notamos nestes indivíduos a extrema carência afetiva que somente se revela através da fala. Conseqüências, talvez, das inúmeras privações e desgostos que permearam sua conturbada fase infantil. Qual o reflexo disso vocês me perguntariam. Uma vontade de se auto-afirmarem, de se posicionarem diante o mundo brutalmente selecionador. Seus gostos e desejos traem notoriamente sua verdadeira natureza. É o mundo de narcisismos baratos e desejos extremamente fúteis. Não há se quer uma visível construção no campo do psiquismo ou da intelectualidade. São arrebatados por teorias superficiais e conclusões epidérmicas. O que sobra, repito aqui, é a beleza superficial e vazia, a imagética onírica, a falsa impressão de poder. Ao observarmos as subseqüentes análises obtidas dos demais encontros, fica absurdamente explícita a capacidade que esses indivíduos têm de explanar sobre diferentes assuntos. É confortavelmente fácil e apetitoso aguardar o silêncio que virá entre uma prosa e outra. Desconsidero aqui o silêncio maquinal-propulsor, a força motriz para um novo raciocínio. Falo somente do silêncio das infantis almas rasas que sequer conseguem formular uma opinião extremamente subjetiva, mesmo que sutilmente simples, mas verdadeira, acerca de assuntos que realmente alimentam e embelezam a alma. Eis aí sua própria traição: A superficialidade em tudo. (continua)

(Leonardo Schneider)

terça-feira, 18 de dezembro de 2012

Falou amizade


Falou amizade
E por toda cidade ecoa
A letra dos livros voa
Falando amizade
Por toda cidade boa
O sonho já tinha acabado quando eu vim
E cinzas de sonhos desabam sobre mim
Mil sonhos já foram sonhados
Quando nós perguntamos ao passado
Estamos sós?
Mil sonhos serão urdidos na cidade
Na escuridão, no vazio há amizade
A velha amizade
Esboça um país mais real
Um país mais que divino
Masculino, feminino e plural
(Caetano Veloso)







Ela veio sem rastro, nem cheiro. Nunca a esperei. Sempre fora conceito, um emaranhado de fajutas conexões. Mas como é de meu feitio, abri-lhe os meus braços-peito. Sem muita modéstia a acolhi em minha casa, trouxe-a logo pra dentro. Ela me alertou de sua epiderme cascuda, quase impenetrável. Disse-me que não tinha traquejo no quesito explanar-se. Não me importei. Tentei alguns verbos de aproximação, qualquer palavra lubrificante. De início mostrei-lhe a janela dos fundos, as portas de acesso, caso quisesse partir.  Atitude que sinceramente não faria a menor diferença. Por intuição acendi a lareira, dar um tom de aconchego, mostrar-lhe certo respeito e admiração. Preparei nossa cama, travesseiros macios, lençóis limpos, tudo para que ficasse. Não sei o por quê da investida, nunca me deram guarida, nem pedaço de pão. A mão sempre foi mais pesada pra quem só tem sim em seus vocabulários. Descobri o sabor de seu corpo na rapidez dos encontros. A avidez de minha língua a brincar sem pudor, nem regra. Sagaz imanetismo. Viciei-me em sua cor, em sua imprevisibilidade. Seus olhos me fitavam em silêncio, toda minha articulação era observada. Ela posicionada no corner do texto, maliciosa no riso. É no negro vazio do silêncio que a gente percebe os detalhes da vida.


(Leonardo Schneider)