É incrível a maneira como algumas pessoas me enxergam. Às
vezes me dizem, de maneira entusiasta, que devo ser menos espalhafatoso, menos
exagerado, beber menos, falar menos, fumar menos. Engraçado deve ser essa minha
maneira de ser. E como parece criar uma caricatura de mim mesmo, uma
personagem. Mas não. Necessito diariamente dessas minhas doses de tudo isso.
Necessito, na minha alma imaginativa, de intensas experiências com o mundo. Não
sei agir de outro modo, apesar de quando estou trabalhando, vivendo a mera vida
aristocrática, eu seja o oposto de tudo que grita e arde. E nessa minha vida
séria, onde tão somente sou ator, e onde realmente atuo dando o melhor de mim, é
onde se encontra a mola propulsora de todo esse meu eu. Lá dorme um leão. A
minha alma se guarda, atenta, cheirando minhas próprias conclusões, beijando e
trepando com todas as possíveis concatenações que crio. Espero impacientemente
o momento exato. E esse eu, todos os dias, vai se construindo com o decorrer
das horas. Cada dia um eu diferente. Fico olhando o relógio com angustia, pois
tem dias que a maquiagem irrita a pele. Não nasci para os palcos. O leão vai
aos poucos se soltando da corrente. E todo dia ele foge. Foge por não dar conta
das varas e jaulas. Foge porque é preciso fugir. E quando o vejo de longe, vindo
ao meu encontro, sinto que tudo que me rodeia é um universo frívolo que não
quero descartar. É como se o leão fosse me atacar e eu só tivesse um último
pensamento ou desejo. Um último suspiro. Mas o leão me lambe. Dói ser só o leão
e eu. Dói o fato de eu não me conter. Não conseguir ter medida ou regra pra
nada. Amar dói, sabe? E eu amo e gosto que doa. Minhas fajutas inspirações vêm
diretamente desse amor doído dos cinemas. Aquele amor que sempre vai embora pra
nunca mais. E eu crio, recrio. O leão lambe os beiços e abana o rabo, senta ao
meu lado. Somos nós dois nas noites da cidade. E quando vou embora, ele me leva
até em casa, espera eu entrar. Aceno da janela ele olha pra trás. Fico
observando sua imagem sumir no breu. Amanha, com certeza, nos veremos novamente.
(Leonardo Schneider)
(Leonardo Schneider)