sexta-feira, 14 de fevereiro de 2014



É incrível a maneira como algumas pessoas me enxergam. Às vezes me dizem, de maneira entusiasta, que devo ser menos espalhafatoso, menos exagerado, beber menos, falar menos, fumar menos. Engraçado deve ser essa minha maneira de ser. E como parece criar uma caricatura de mim mesmo, uma personagem. Mas não. Necessito diariamente dessas minhas doses de tudo isso. Necessito, na minha alma imaginativa, de intensas experiências com o mundo. Não sei agir de outro modo, apesar de quando estou trabalhando, vivendo a mera vida aristocrática, eu seja o oposto de tudo que grita e arde. E nessa minha vida séria, onde tão somente sou ator, e onde realmente atuo dando o melhor de mim, é onde se encontra a mola propulsora de todo esse meu eu. Lá dorme um leão. A minha alma se guarda, atenta, cheirando minhas próprias conclusões, beijando e trepando com todas as possíveis concatenações que crio. Espero impacientemente o momento exato. E esse eu, todos os dias, vai se construindo com o decorrer das horas. Cada dia um eu diferente. Fico olhando o relógio com angustia, pois tem dias que a maquiagem irrita a pele. Não nasci para os palcos. O leão vai aos poucos se soltando da corrente. E todo dia ele foge. Foge por não dar conta das varas e jaulas. Foge porque é preciso fugir. E quando o vejo de longe, vindo ao meu encontro, sinto que tudo que me rodeia é um universo frívolo que não quero descartar. É como se o leão fosse me atacar e eu só tivesse um último pensamento ou desejo. Um último suspiro. Mas o leão me lambe. Dói ser só o leão e eu. Dói o fato de eu não me conter. Não conseguir ter medida ou regra pra nada. Amar dói, sabe? E eu amo e gosto que doa. Minhas fajutas inspirações vêm diretamente desse amor doído dos cinemas. Aquele amor que sempre vai embora pra nunca mais. E eu crio, recrio. O leão lambe os beiços e abana o rabo, senta ao meu lado. Somos nós dois nas noites da cidade. E quando vou embora, ele me leva até em casa, espera eu entrar. Aceno da janela ele olha pra trás. Fico observando sua imagem sumir no breu. Amanha, com certeza, nos veremos novamente.

(Leonardo Schneider)

quinta-feira, 13 de fevereiro de 2014



Hoje resolvi escrever pro além. Pra você e pra ele, pra ela também. Resolvi enfiar uma dúzia de palavras no papel, rabiscando-as com força, de maneira com que fiquem gravadas no verso da folha, criando certa textura. Um braile às avessas. Resolvi expressar-me ao avesso. É isso mesmo. Ao avesso.
 Tenho escrito pras minhas gavetas com meu pé direito enquanto calço os sapatos com as mãos. Tarefa um tanto complicada nessa minha nova configuração. Ainda não me habituei a alimentar direito, confesso. A caneta se alojara perfeitamente entre o hálux  e o segundo pododáctilo. Não sai nem por reza braba. Os tais vícios do ofício. Apesar das minhas mãos de curupira e os cotovelos de garrincha, não tenho tido grandes problemas de ir à padaria, mas as pessoas me observam, não sei o que pensam. Sei que me olham diferentemente dos demais. Sou torto no passo e na rua. Outro dia ao entrar no ônibus um velhote exclamou:
- Ei Sr. Poeteiro!! Pode sentar-se no meu lugar!
Pensei muito naquele velhote. Como sabe do meu ofício, que é tão meu e tão secreto? Serei eu torto por ser poeteiro ou serei eu poeteiro, por isso sou torto? Claro que não me sentei. Passei pela roleta, onde se encontrava o cobrador.
-Quanto custa a passagem? Perguntei.
Num tom ríspido respondeu o empírico observador.
-R$2,65!
Como era tudo que eu tinha no bolso, passei sem muito lhe dar atenção. Ele reparava.
A gente que é torta sofre com o mundo. Esse mundo reto demais, com pessoas retas demais. Por isso escrevo diariamente. Pensamentos em curva e frases em “S”. Vou ao meu mundo fantasioso, onde todos são tortos, onde tudo é disforme e danço. Em outra ocasião uma senhora me impediu de pôr os pés na mesa durante o almoço. Tentei lhe explicar que eu era assim ao contrário. Fui rechaçado.
No mesmo dia voltei para casa e escrevi como nunca. Escrevi pra você e pra ele, pra ela também. Todos no meu mundo. Porque de alguma maneira, na psique ou no agir, são também tortos como eu.
                           neider)
(Leo               Sch
      nar
          do
 

segunda-feira, 3 de fevereiro de 2014



Silenciar-se é a maior das fraquezas humanas. Nela gritamos mais alto do que quem realmente grita. Silenciar-se diante alguém ou fato, é indiscutivelmente o mais baixo ato, pois quem silencia, age assim, de maneira a se sentir inconscientemente superior ou infinitamente rebaixado. Somente quem silencia experimenta tal sensação. O que mais me intriga e o que mais confirma meu pensamento, é que quem silencia nunca sabe se agiu certo. Não consegue discernir o tal mecanismo messiânico. A outra face para o tapa. O silêncio mente, nega, corrompe. O silêncio é o nada. Não há amor ou ódio, muito menos o falso espírito filantrópico bastante difundido religiosamente.  Guardar para si o grito contido, naturalmente, esta diretamente associado ao não saber o que fazer. Esta associado às doenças da alma, pois o enfermo que berra, é o que melhora. O outro é moribundo. Apenas espera, de maneira covarde, o triste fim. O grito é a libertação, mesmo que acompanhada do arrependimento. Gritar é odiar e amar ao mesmo tempo. Gritar é se mostrar, é viver o intenso pulsar. Gritamos ao nascer e essa é nossa maneira de celebrarmos a existência. Então gritemos o mais alto que pudermos, pois quando as formigas entrarem pela boca, ao menos teremos a extrema certeza que estávamos de coração aberto.
(Leonardo Schneider)