terça-feira, 12 de novembro de 2013

Carta ao Otto n°2

Filho,

Te ver logo cedo, com a boquinha sorridente, me extasia por completo. Não tenho a mínima vontade de fazer mais nada, é verdade. Gostaria de saber a sua risada. Seus olhinhos apertadinhos para que a boca se desenvolva, seus bracinhos numa agitação incansável e acolhedora. Descobrir novas coisinhas em você, dia a dia, é como montar um quebra cabeça. Vou separando as peças mais fáceis, uma a uma, tentando fazer conexões entre elas, pra depois vir com as mais difíceis. Vou estruturando aos pouquinhos. É o jeito do papai. Essa mania de prestar atenção às miudezas, de querer ver a beleza da flor, extrair seu sumo. Pode parecer estranho, mas assim me fiz poeta, filho. Assim sinto a grandeza da pedrinha e a pequenez de nós mesmos. Tenho tanta coisa a lhe dizer, tanto a lhe mostrar. Mas a verdade é que tu tens andado muito comigo. Sempre me apontando para o azulzinho do céu. Para alto. Fico todo dia a analisar essa imagem. Eu que sempre gostei de olhar pro céu, de me entregar as mais variadas manhãs e tardes, custei a entender sua mensagem. Percebi que a eterna mutabilidade das nuvens, do qual você tanto me falava, eram nossas expectativas em relação aos acontecimentos, em relação a tudo que desejamos. E que a imensidão do céu, esse azulzinho sobre nossas cabeças, era a certeza da vastidão de possibilidades em relação a essas expectativas. Somente tu, com seu dedo em riste, me fez ter a certeza desse jogo sem regras, sem dados. De que na vida não há amarras ou algemas. E que somos semideuses a dançar por cima do mundo. Á noitinha, como de praxe, voltaremos à nossas, tão edificantes conversas em silêncio, olho no olho, peito com peito, sorrisos, mamadeiras e sono.

Com todo carinho,

Seu Pai.
 
(Leonardo Schneider)