Essa noite lembrei-me de Ceci. Lembrei-me de seu corpo macio
e úmido, do seu olhar apertado. Do jeito que prende o cabelo. Confesso que
fiquei teso, pois Ceci sempre me fora uma baita inspiração. Por onde andarás?
Com quem se deita? Será que calça meias pra dormir? Será que afaga o
travesseiro em vão? Não quero pensar. Prefiro guardá-la naquela mesma mesa de
botequim do centro da cidade. As pernas cruzadas e o sorriso de um eterno
consentimento, a bolsa à tira colo, o cigarro na mão esquerda. Ceci tem muitos
detalhes, eu sei. Mas acredito que se eu enumerasse todas as suas
características, seus pequenos contornos e ondulações, me perderia em banais
conjecturas, me perderia textualmente. Ceci é do mundo, não minha. Sempre a
desejara, mas aos poucos descobri sua misteriosa arte de encontros e
desencontros. Gatuna da noite, a vejo nos telhados, nas casas vizinhas. Algumas
vezes só de passagem. Ceci é escorregadia feito peixe de aquário. Não se
captura facilmente. Eu, de tanto descrevê-la, consegui minimamente, de um jeito
tão absurdo e estranho, fotografá-la em meus textos. Ceci esta aqui agora. E cada
vírgula, cada ponto ou sílaba, é um quebra cabeça que vou montando aos
pouquinhos. São partes equidistantes de sua alma. Suas peças são bem misturadas,
nada fáceis, apesar de minha habilidade. Ponho uma aqui, outra acolá. Um dia, quando
faltar a última peça desse puzzle, vou escondê-la no fundo do armário, rasga-la
em minúsculas partes, de forma que desapareça por completo. Quero sempre olhar
Ceci faltando um pedaço. Pois assim ela me deixou e a assim pretendo deixá-la.
(Leonardo Schneider)