Hoje acordei mais cedo, lembrei-me do teu cabelo.
Engraçado essas pequenas idiotices que acabam por nos tirar o sono. Calço os
velhos chinelos. O pó de café me aguardava como sempre no mesmíssimo lugar. Sujeito
chato/metódico que sou, não tolero que ele saia andando por aí como bem quer. Dependo
muito dele e ele sabe disso. Quatro colherinhas, não, cinco bem cheias para
acentuar a realidade. Arrasto-me até o sofá enquanto a água e o fogão executam
com maestria seus monos trabalhos. Lá fora o barulho da manhã. A noite fora embora
levando consigo todos nossos sonhos, desejos, fantasias. A passarada anuncia a
festa do dia. Não sei por que Deus resolveu criar todo esse estardalhaço nas
manhãs, deixando o silencio nas noites escuras. Eu persisto no silêncio, nas
noites de mim mesmo. Escrevo, rasgo, escrevo. Maldita condição essa que me
persegue. Debruço-me sobre a mesa quando verdadeiramente bate o cansaço. Afundo
a cara no papel, sinto seu cheiro. A chaleira apita feito troca de turno nas
fábricas. O café está quase pronto. Basta medir bem a quantidade de água a ser
despejada. Pura alquimia. Resolvido. Açúcar para equilibrar o fel de cada dia.
Onde esta o açúcar? Maldito. Mandei-o dormir juntamente com o pó de café.
Vasculho em toda a extensão do armário. Lá se encontram todas as nossas
inseguranças explicitas, nossas manias. Quer saber mais sobre uma pessoa? Abra
seu armário da cozinha. Que se foda esse açúcar! Quem precisa dele quando se
tem mel? Minha favorita gosma dourada. Mas café com mel não é a melhor pedida.
O mel tem seu lugar e deve ser preservado. Vou de café sem açúcar mesmo. Um
gole. Puta que pariu! A vida já nos é amarga! Tudo bem. Finjo que esta tudo
bem. Não esta nada bem. Preciso enfiar tantas palavras naquele fajuto papel.
Ele me olha da mesa da sala. Cale-se! Eu sei, eu sei! Rodeio a mesa pensativo.
Lá fora os malditos pássaros fazem a festa. Cagam em tudo e cantam. E eu aflito
por umas míseras palavras. Talvez se cagasse e cantasse ao mesmo tempo, seria
mais feliz. Mas só nas manhãs. Tenho certeza. Pego a caneta, uma lambida na
ponta pra dar sorte. Silêncio. Parece noite novamente. Elas começam a bailar,
bem desfocadas, de longe as vejo. Estão se aproximando, cada vez mais perto. Já
as vejo se beijando. Venham meus amores! Estou aqui! Que prazer imenso! Elas
chegaram. Suaves, leves. Minhas adoráveis palavras vieram hoje me visitar.
(Leonardo Schneider)
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