Noite. Bem tarde. Resolvo em mim e gosto de escrever. É
sempre nessa enfadonha hora. Feito cuco de relógio, grito aqui dentro e lá fora. De hora
em hora. Há tempos escrevo para ocupar-me, pela falta, o vazio que tatuagem nenhuma
cobre. O buraco escuro, grande e lamacento, que jogo por debaixo dos tapetes. Todos
jogam. Antecipando o inverno, as formigas e eu trabalhamos em tais destroços.
As formigas, meus escuros de tapetes. Buracos negros que desejaríamos que não existissem.
Tu tens, ele e ela têm. Tenho o passado, futuro e presente no aqui e agora. Revejo
constantemente os tais tapetes, as tais lamas, os tais buracos. Evito volumes,
acúmulos. Parece complicado. Não me é. Não há de ser pra ninguém. Apenas
escrevo, assim nem mais nem menos. O papel em branco, virgem, suculento. Olho
desdenhando. Não quero num relampejo. Reparo, disparo e escrevo. Simples. Sempre fora assim meu processo. Arma
de fogo, mais arma que fogo. Queria por fogo nas benditas folhas que apanhava
as escondidas na infância, sem saber pra que. Guardava tudo feito troféus nas
gavetas de minha cômoda. Dia a dia saboreava tactilmente meus objetos de crime.
Pra que? Escrever obsessivamente. E rasgar e rasgar e comer. Bolinhas de papel são
feitas para comer. Ou rasgar ou comer.
Simples. Não evidencio o peito nos
bares, automóveis ou círculos de amizade. Dou valor ao silencio. Todos gritam e
saracoteiam, requebram enquanto falam. Falo quando não quero. Calo-me quando
devia falar. Triste dilema. Ou falo demais, eis o porém. Hoje escrevi por amor
a palavra. Nunca tive regras, formas,
estéticas, nem culpas de submissos escrivães. Escrevo simplesmente porque o peito extrapola quando não
deve e a boca se cala quando deveria gritar. Apenas escrevo.
(Leonardo Schneider)