terça-feira, 19 de março de 2013


Você foi embora de mim, fez as malas, saiu como entrou. Já era hora. Um pouco tarde, confesso. Mas era hora. Arrumaste violentamente sua mala que cheirava a mofo. Jogou seus vestidos, seu perfume predileto, nossas fotografias amareladas pelo tempo, meus papeizinhos de mesas de bar. Enrolaste tudo de qualquer jeito. Pouco importava se iam amassar ou quebrar seus pertences. Você queria partir, estava decidida. O mundo lhe esperava lá fora, na próxima esquina ou em outros olhos. Tinha pressa. E eu não tinha mais o que escrever pra você, eis a verdade. Correste para porta feito raio e eu ainda pude ver seus negros cabelos. A casa ficou muda. Nessa noite pus a mesa pra um, acendi o cigarro e fiquei em silêncio lembrando seu sorriso. A lua acomodou-se a meu lado, lambendo meu ombro. Fiquei ali por um tempo, observando da janela, a rua e seus cinzentos transeuntes.

(Leonardo Schneider)

quarta-feira, 6 de março de 2013

Presente de aniversário


Como transmissão de pensamentos e idéias, de forma que ao mesmo tempo em que pensei, recebi a brilhante e emocionante notícia que ganharia um maravilhoso presente. Presente este digno de todos os aniversários já vividos, o mais lindo. Primeiro pelo próprio objeto, que me afeiçoa viciosamente. Segundo pela pessoa que me dá esse estrondoso e vibrante objeto. Ou seja, um duplo presente. Este é um presente além-homem. Esta além das fronteiras do psiquismo e da carne. Este é um presente pra alma de poeta. E por ser um presente colorido, daqueles que são dados por quem ama de peito aberto, justificativa-se aí o fato dele ser o maior de todos os presentes. 
Como forma de agradecimento, só poderei compartilhar-lhe da imensidão deste meu favorito e conterrâneo poeta.
Obrigado por tudo, meu amor.
Te amo.






 

Contranarciso


em mim
eu vejo o outro
e outro
e outro
enfim dezenas
trens passando
vagões cheios de gente
centenas
o outro
que há em mim
é você
você
e você
assim como
eu estou em você
eu estou nele
em nós
e só quando
estamos em nós
estamos em paz
mesmo que estejamos a sós

(Paulo Leminski)