quarta-feira, 18 de junho de 2014



Suas malas estão prontas? Irás partir com o mesmo mofo que trouxera. A mesma mala surrada, na busca pelo nada. Não percebeste que tua procura permeia a solidão dos frívolos abraços e beijos? Tens um único tesouro a tua espera e sei que és o mais valioso dentre todos. Mas teu silêncio velado, tua fria gruta do peito te distancia do verdadeiro objetivo de busca. Tu és a procura e o encontro. Não sabes? Vais pra longe? Longe de que? De quem? Paraíso? Não me venha com infantilidades! Sabes que tenho o peito quente, úmido e escrevo porque não durmo direito. O que vais encontrar, pequena? Exatamente o mesmo. O mesmíssimo processo de procura. E vais cavar e cavar, incansavelmente, tua própria cova rasa, teus sonhos novamente alçados a um determinado ponto. E de novo, de novo. Não vês que estas andando em círculos? Tu és o objetivo, pequena! Tu és o tesouro a ser encontrado. Tu és o que sempre procuraste. O espelho nos desloca, a vaidade nos cega, a dor nos esvazia. Não se perca lá fora. O que mais almeja esta arraigado em tuas costas, feito casco. Mas não vês nada além do caminho a seguir, do que há pela frente. Um simples giro em torno de si e tudo resolvido. Estas de malas prontas? Pra onde vai além de si mesma, pequena?

(Leonardo Schneider)

terça-feira, 10 de junho de 2014


Ela era vulgar. Puta mesmo. Exibicionismos baratos em palcos que cheiram a mofo. Gostava disso e não sabia agir diferente. Uns drinks a mais e logo se revelava. Certa vez me contara algumas de suas estripulias. Não havia perdão, nem ao menos culpa em sua pele. Ela era diferente. Sabia como adentrar nos inúmeros ambientes. Da esbórnia ao palacete. Sabia o que se passava na cabeça dos homens e se deleitava. Ela era uma mentira bem contada e sabia disso. Mas certo dia me interpelou:

-Me conte o que é o amor.

Sabia o que era, mas não sabia explicar. E eu que jamais esperava tal interlocução, fui pego desprevenido. Queria lhe falar. Queria lhe mostrar o que era, mas fiquei estático. As palavras saíam feito grunhidos. Fiquei nervoso. Mãos suadas. A maldita me acertara o calcanhar. Pobre coitada. Profissional no verbo amar, mas ignorante no substantivo amor. Ela aguardou alguns instantes, com os olhos fixados em meus joelhos.

-Ninguém sabe o que é. Mas mentir todos sabem.

Pensei muito a respeito do que dissera. Dei um gole no bico da garrafa. A garganta se fechara. Tomei ar.

-Roseletta, a vida não é tão ruim assim.

Uma gargalhada ecoou no ambiente. Era um riso sarcástico, animalesco. Bem distinto dos que riem com dor na alma. Eu sem graça nada pude fazer, a não ser, aguardar. Fiquei lá esperando seu show de falsos contorcionismos, a mão na barriga. Dei outro gole.

-Já acabou Roseletta?

Ela logo me olhou num tom sério, apertando os olhos como se fosse me devorar. Tinha certos tiques na sobrancelha direita quando ficava nervosa. Acendeu outro cigarro e baforou em minha cara. Cruzou as pernas com sua minissaia marrom, se posicionou de maneira ereta, feito quando as pessoas querem parecer ou dizer alguma coisa séria.

-Das minhas presas, você é a mais doce.

Aquilo soou como ofensa. Doce? O que ela pensava que eu era? Um menino frágil, de fácil manipulação? Ela não me conhecia bem. Cresci com a rudeza dos dias, o gris das horas. Ela era uma vagabunda sem amor. Quis mostrar valentia, mas logo me afagou os cabelos. Tombei de joelhos.

-Roseletta? Vamos embora pra outro bar?


De lá saímos. Eu sem saber o que sou. Ela, sem saber o que é o amor.

(Leonardo Schneider)

quarta-feira, 4 de junho de 2014



Agora depois de tantos desvarios e indulgências, coisas que a vida nos permite e ao mesmo tempo nos cobra, me sinto refeito. Refeito no equilíbrio tenaz e bem articulado que produzi nesse processo embrionário. Custei, mas pari. Agora posso entrar no mar, mas ainda tenho muito medo. Fico sentado na areia a espiar essas ondas. Afogar-se é uma experiência um tanto traumática. A falta de ar por afogamento deixa sérias sequelas no corpo. Mantenho-me com olhar fixo nesse atroz chacoalhar, mas fico de longe. Não me atrevo mais. Para me salvar deixei tudo, tudo afundar. Hoje percebo sutilmente o valor de certos acontecimentos, o valor de certos dias.  Percebo o vazio das coisas, a futilidade, o egoísmo que impregna. Hoje me sinto um tanto mais meio. Mais meio aqui, meio acolá. Não mergulho tão fundo, nem me arrisco a procurar ostras. Hoje as pérolas ficaram no tempo, não têm mais o mesmo valor. Dou-me o restrito, edificante e prazeroso tempo ao nada. Apenas nada. Tenho tido desejos que silenciam, é verdade. Mas a nau que corta a carne é a ultima esperança do naufrago. E a paciência. É preciso agarrar-se como mister ultimato. Esse estado de espírito indiferente que refugia, acalenta o respirar ofegante, essa pequenez consciente que livra das responsabilidades mais agudas, tudo isso têm contribuído para amenizar o aquático trauma que fora instaurado. Hoje, apenas hoje, me sinto um tanto mais originariamente vindo das águas.


(Leonardo Schneider)