Hoje resolvi escrever pro além. Pra você e pra ele, pra ela
também. Resolvi enfiar uma dúzia de palavras no papel, rabiscando-as com força,
de maneira com que fiquem gravadas no verso da folha, criando certa textura. Um
braile às avessas. Resolvi expressar-me ao avesso. É isso mesmo. Ao avesso.
Tenho escrito pras
minhas gavetas com meu pé direito enquanto calço os sapatos com as mãos. Tarefa
um tanto complicada nessa minha nova configuração. Ainda não me habituei a alimentar
direito, confesso. A caneta se alojara perfeitamente entre o hálux e o segundo pododáctilo. Não sai nem por reza
braba. Os tais vícios do ofício. Apesar das minhas mãos de curupira e os cotovelos
de garrincha, não tenho tido grandes problemas de ir à padaria, mas as pessoas
me observam, não sei o que pensam. Sei que me olham diferentemente dos demais. Sou
torto no passo e na rua. Outro dia ao entrar no ônibus um velhote exclamou:
- Ei Sr. Poeteiro!! Pode sentar-se no meu lugar!
Pensei muito naquele velhote. Como sabe do meu ofício, que é
tão meu e tão secreto? Serei eu torto por ser poeteiro ou serei eu poeteiro,
por isso sou torto? Claro que não me sentei. Passei pela roleta, onde se encontrava
o cobrador.
-Quanto custa a passagem? Perguntei.
Num tom ríspido respondeu o empírico observador.
-R$2,65!
Como era tudo que eu tinha no bolso, passei sem muito lhe
dar atenção. Ele reparava.
A gente que é torta sofre com o mundo. Esse mundo reto
demais, com pessoas retas demais. Por isso escrevo diariamente. Pensamentos em
curva e frases em “S”. Vou ao meu mundo fantasioso, onde todos são tortos, onde
tudo é disforme e danço. Em outra ocasião uma senhora me impediu de pôr os pés
na mesa durante o almoço. Tentei lhe explicar que eu era assim ao contrário. Fui
rechaçado.
No mesmo dia voltei para casa e escrevi como nunca. Escrevi pra você e pra ele, pra ela também. Todos no meu mundo. Porque de alguma maneira, na psique ou no agir, são também tortos como eu.
neider)
(Leo Sch
nar
do
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