Nascera
na rua do acaso. Fruto de trepadas mal dadas. Não se sabe ao certo qual delas.
Filho das coxas, como dizem as más línguas. Mas mamava e muito. Tetas de putas, brancas,
negras e orientais. Até as mendigas faziam fila na porta de sua casa. Todas se
ofereciam para ajudar. Mas era insaciável. Sua boca sugava até machucar.
Tentaram chupetas, tentaram afastá-lo das tetas, mas foi assim até os cinco
anos, quando descobrira o gosto de terra. Um verdadeiro alívio para as mulheres
do bairro, pois no jardim de sua casa, como toda criança, fazia bolinhos de
mentirinha. Mas devorava-os um a um, sem ninguém para que pudesse reprimi-lo.
Quando via os caminhões de areia chegando, com seus montes de terra, para as reformas das casas do bairro, era fartura na certa. Era constantemente visto andando
pelas construções. Depois surgira o gosto por plantas. Comia tudo que via.
Rosas, samambaias, margaridas, trevos de quatro folhas. As orquídeas, ele me dizia, eram as mais saborosas. Nada o detinha. Sua
boca era o seu maior prazer. Esse estranho desejo durou um bom tempo. Já na adolescência, por motivos bastante
incertos, resolvera roer unhas. Talvez por ansiedade, fato bem visível nos
descontrolados e bombásticos hormônios da puberdade. Ou por afinidade aos diferentes
paladares. O cheiro da unha, da carne, suja ou lavada. O certo é que pelas
unhas conseguira definir os sabores do mundo. Fato bastante notável para um
menino de 14 anos. Terras, muros, paredes de casas, tijolos encostados,
maçanetas de carros. Tudo ele distinguia. Gosto de sabonetes, de vasos sanitários,
banheiros públicos, portas de armários. Era um verdadeiro deus palato. Nessa
época surgira sua maior paixão. O gosto pelas unhas dos pés. A cada nova
namorada, o desejo de roer seu dedão. Mas o gosto pelas unhas não ficava para trás. Sabia de cor o
gosto de cada menina da escola. O gosto da Gabriela, da Francisca, da Gisele. Até
mesmo o gosto da professora Adelaide, que era sua paixão mais secreta. Seguia tocando todas as garotas. Crescera refinando os diversos sabores.
Enquanto os garotos da escola se entretinham com a descoberta de cigarros e bebidas, ele seguia em seu mundo de experiências de gustativas. O gosto por esmaltes tornou-se um vício digno de internação (...)
(Leonardo Schneider)
Adorei !!! Adorei!!!
ResponderExcluirVer o mundo com a boca!