sexta-feira, 8 de junho de 2012

Monólogo em terceira pessoa para um amigo querido. (Parte I)


Meia-noite

Toda noite sentava sozinho na mesma mesa, puxava o cinzeiro para perto e fumava. Fumava com avidez, feito criança que não larga a chupeta. A vida transcorria normalmente em sua frente, monótono e tedioso cotidiano.  Carros, fumaças e as buzinas misturavam-se entre os transeuntes que passavam. Gente de todos os tipos. Jovens, velhos, homens e mulheres, indo ou voltando de algum lugar, mas seu lugar era aquele, sempre a mesma cadeira, a mesma mesa. Tinha gosto por aquilo, prazer em seu silêncio. Observava tudo nos mínimos detalhes. As rachaduras da calçada, os sapatos que a pisavam, as barras das saias costuradas, as pernas das mulheres. Gostava de mulheres, apesar de na mais terna infância, descobrir o sexo num troca-troca. Coisas de criança. Ah, a infância! Lembrava dos abraços calorosos da avó, os peitos enormes a lhe roçar a face, a roupa cheirando naftalina. Lembrava das tardes infindáveis, a correr atrás da bola e a brincar na enxurrada. Procurava entreter-se com seus pensamentos, mas a inquietude corpórea era enorme, era o diabo a atentar seu próprio corpo. As mãos se tocavam a todo instante, os dedos cruzavam-se, suados. Não conseguia ficar parado. Era doentio. Mesmo assim preferia a solidão de sua mesa à qualquer companhia. Adquiriu a extrema repulsa dos diálogos intermináveis de rodas de bar. Posso sentar? No meu colo? Grosso! Obteve diploma de pugilista na escola. Batia em tudo que se mexia, não tinha a mínima piedade. Me da um trocado, tio? Desapareça da minha frente, abutrezinho de merda! Sua truculência era invejável. Cruzava as pernas como quem cruza avenidas, olhava pros lados. Mais um chope, Adailton! Claro ou escuro? Escuro! Adaílton sempre o aguardava, no mesmo horário. Mas a meia noite em ponto deixava o recinto, sem olhar para trás. Era um compromisso. A saidera? Adaílton nunca obtivera resposta. Partia como se nunca tivesse ido. Sua mesa sempre à espera, seu cinzeiro. Adaílton era o único que conseguira desenvolver um dialogo duradouro. Sua mesa esta pronta, doutor! O de sempre ou deseja algo diferente? Meia noite era o horário. Esposa? Ninguém sabia. Família? Muito menos. Era mesmo indecifrável. (continua amanha) 


Leonardo Schneider

Um comentário:

  1. Fantastico, Léo! So agora descobri "tabacos e papos", adorei velho.
    Se tiver em Lagoa, vê se aparece. Grande abraço!
    Hugo Ruax

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