Meia-noite
Toda noite sentava sozinho na
mesma mesa, puxava o cinzeiro para perto e fumava. Fumava com avidez, feito criança
que não larga a chupeta. A vida transcorria normalmente em sua frente,
monótono e tedioso cotidiano. Carros, fumaças
e as buzinas misturavam-se entre os transeuntes que passavam. Gente de todos os
tipos. Jovens, velhos, homens e mulheres, indo ou voltando de algum lugar, mas
seu lugar era aquele, sempre a mesma cadeira, a mesma mesa. Tinha gosto por
aquilo, prazer em seu silêncio. Observava tudo nos mínimos detalhes. As
rachaduras da calçada, os sapatos que a pisavam, as barras das saias
costuradas, as pernas das mulheres. Gostava de mulheres, apesar de na mais
terna infância, descobrir o sexo num troca-troca. Coisas de criança. Ah, a
infância! Lembrava dos abraços calorosos da avó, os peitos enormes a lhe roçar a
face, a roupa cheirando naftalina. Lembrava das tardes infindáveis, a correr
atrás da bola e a brincar na enxurrada. Procurava entreter-se com seus
pensamentos, mas a inquietude corpórea era enorme, era o diabo a atentar seu
próprio corpo. As mãos se tocavam a todo instante, os dedos cruzavam-se,
suados. Não conseguia ficar parado. Era doentio. Mesmo assim preferia a solidão
de sua mesa à qualquer companhia. Adquiriu a extrema repulsa dos diálogos
intermináveis de rodas de bar. Posso
sentar? No meu colo? Grosso! Obteve diploma de pugilista na escola. Batia em tudo que se
mexia, não tinha a mínima piedade. Me da
um trocado, tio? Desapareça da minha frente, abutrezinho de merda! Sua
truculência era invejável. Cruzava as pernas como quem cruza avenidas, olhava
pros lados. Mais um chope, Adailton!
Claro ou escuro? Escuro! Adaílton sempre o aguardava, no mesmo horário. Mas
a meia noite em ponto deixava o recinto, sem olhar para trás. Era um
compromisso. A saidera? Adaílton nunca
obtivera resposta. Partia como se nunca tivesse ido. Sua mesa sempre à espera,
seu cinzeiro. Adaílton era o único que conseguira desenvolver um dialogo
duradouro. Sua mesa esta pronta, doutor!
O de sempre ou deseja algo diferente? Meia noite era o horário. Esposa? Ninguém
sabia. Família? Muito menos. Era mesmo indecifrável. (continua amanha)
Leonardo Schneider
Leonardo Schneider
Fantastico, Léo! So agora descobri "tabacos e papos", adorei velho.
ResponderExcluirSe tiver em Lagoa, vê se aparece. Grande abraço!
Hugo Ruax