segunda-feira, 5 de maio de 2014


De tempos em tempos, me acento como de costume (gosto de ficar sentado), num pequeno banco azul desses de madeira, instalado na sacada de meu apartamento. É um banco simples, pintado à mão num tom azul claro. Lá fico alguns minutos, mas por ser um ato repetitivo, obsessivo, pelo fato de conter um aditivo, um algo a mais (que não a repetição de estar sentado), uma satisfação carnal (estou sempre fumando), posso considerar que esses minutos já há muito se transformaram em horas. Gosto muito desse banco. Minhas vistas ficam sempre a focar as mesmas coisas da sacada, numa sequência repetitiva. Já é automático. Tudo começa assim: Abro a porta, o vento vem. Olho os dois bancos. Esqueci-me de me referir ao outro banco. Um legítimo Bubu, de Philippe Starck, que apesar da pomposidade, não é o de minha preferência. Me acento no banco ao lado, o azul. Como ia dizendo, ao abrir a porta o vento vem ao meu encontro e eu me acento. Primeiro foco são as roseiras que cultivo, plantadas num vão de parede, no parapeito, criado apenas para plantas (pode-se dar outro uso, mas vejo que são para plantas). Na sequência repetitiva, logo vem a imponente Arruda. Olho-a da base até o topo e num relampeio, por detrás dela, minhas cebolinhas plantadas num vaso retangular. Gasto uns segundos nesse olhar. Torno a cabeça para o outro lado e lá estão minhas pimenteiras e meus Agaves. Adoro Agaves. Sempre os comparei com gentes. Depois olho pra rua, o mesmo passeio e o mesmo velho que sobe a rua, no mesmo horário, com sua bengala num passo lento. Não o conheço, mas fico intrigado com seus horários (sempre os meus). Essa repetição, por incrível que pareça, é um método que criei. Um método que me faz pular a sacada. Vencer o parapeito para um voo além da vista. São sempre novos lugares. O passeio nunca repete o caminho. E volto. O cigarro acaba no cinzeiro, como eu na estação de casa. Todo dia. Abro a porta da sacada, tudo acabado. Malas na cama, corpo no chuveiro. Esse método é minha preparação para além do estômago. Fico a repetir nesse vai e vem intelectual. Alguns passeios são mais intensos dos que os outros. Fico eufórico, irritado. Principalmente quando não consigo descrevê-los. Hoje não consegui. Escrevi por ausência, por buraco. Isso esta se repetindo. Voltarei ao meu banco azul nesse fim de tarde, que sabe uma viagem traduzida em um belo texto?

(Leonardo Schneider)

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