-Seu café esta esfriando!
Alerta a moça de
minissaia sentada do outro lado do balcão. Batom roxo, maquilagem borrada.
Parecia ser uma dessas mulheres que virara a noite em papos rasos, das falidas
mesas de botequim no centro da cidade. Tomava seu café matinal com a cara
amassada. Um maço de cigarros baratos posto de lado, cinzeiro entupido de
bitucas amareladas. Os fundos olhos
denunciavam. Por certo, exagerara na noite anterior. Queria companhia. Dava pra
ver pela maneira como inclinava o corpo
pra frente em sinal de “sim”. Falava rápido, talvez por medo de que entre uma
pausa e outra, o ouvinte catatônico se retirasse. Reclamava do alto preço pago
de aluguel num muquifo do centro, de que tinha preguiça de política, de que
pintava o cabelo uma vez por semana para manter uma aparência mais jovial.
Falava sem pausas, misturando os mais corriqueiros e fúteis assuntos. Do lado
de cá do balcão, um rapaz fixava os olhos num quadro com a fotografia de Chaplin e um
cachorro. Não prestava a mínima atenção na conversa da moça, de vez em quando, com o canto de olho, via o abrir e fechar da
boca falante. Calça jeans desbotada e sapatos sujos. Devia trabalhar no campo
ou em alguma obra ali perto, pois eram perceptíveis as marcas e os torrões de
lama que saíra de seus sapatos na reta do banheiro. Não havia mais ninguém naquela ratoeira. Um
café e mais nada. Era o que pedia de 10 em 10 minutos. Estava tomado em total
silêncio, completamente taciturno. O
atendente passava aquele pano imundo, na surrada madeira que compunha o tampo
daquele velho balcão. Palito na boca, barba mal feita. Tinha a aparência de um estivador
de porto. Camiseta branca, corpo peludo, sujo. O fiel retrato do descaso de si
mesmo. Atento à situação, logo percebera uma certa mudança na expressão do
rosto daquele garoto. Parecia estar, aos poucos, perdendo a paciência com
aquele falatório incessante da moça histérica. Um clima de tensão instaurava-se
na bodega. A mulher falando e falando, o rapaz com o olhar no retrato, o atendente, à espreita, passava o fétido
pano no balcão e rolava o palito na boca. De repente, um berro:
-Malditos palhaços! Nunca arrancaram-me uma risada!
O silêncio foi fúnebre. A mulher histérica e o atendente se
entreolhavam sem nada entender. O garoto dava socos no balcão e gritava:
-Filhos da puta, desgraçados! O cinema é uma piada de mau
gosto! Vão pro inferno com seus enlatados!!!!!
Atirou a xícara contra a parede, que deixou um rastro de café até o rodapé. Abriu a porta com um chute e sumiu na
calçada. O dia estava cinzento. A mulher se calara. O atendente retirou-se pra
enxaguar o maldito pano fedido na pia.
(Leonardo Schneider)
uau! Um perfeito conto!!! Linda descrição do ambiente, até sei qual o quadro do chaplim com o cachorro voce se refere!!! Legal ver um mini-conto seu!
ResponderExcluirmuito bom!
ResponderExcluiradorei ' dava pra ver pela maneira como inclinava o corpo pra frente em sinal de “sim” '. rs