Sabe de uma coisa? Tenho baús no peito que não se fecham. Minhas
madrugadas são pescar palavras certas, silábicas de roçar o céu da boca que
agora me permitem tudo. Punho, caneta e papel. Não escrevo em teclados fadados
à síntese de tudo. E fuxico, fuxico. Vou lá dentro. Então, remexendo em mim
mesmo, e tudo isso me impressiona, tu sempre voltas, sapateia e rodopia como de
praxe. Defini-la com o passar do tempo, confesso,
tornou-se expectativa ativa, cabal. Porque
andas em meus sonhos, com a orelha mordida e o tapa final. Tudo isso ainda pesa
uma tonelada doída, mas assopro e passa. Ficou aquela eterna marca. Queria
tanto lhe dizer que ainda lhe vejo árvore grande. Gosto dessas minhas maneiras
de lhe enxergar. Árvore. Verdadeiramente dona de si, mesmo que com algumas ramificações
tortas. Galhos secos e enrugados. Somos todos assim, tortos e enrugados. Mas tu
sempre fora dona do sim. Tinhas caminhos
à frente, e sabias. Tu sempre soubeste. Pequeninos detalhes lhe anteciparam. Mas tudo
isso é construção de si, observação, entrega e humildade. Ensinaste-me a
coragem dos atos, o assumir-se. E tu és assim, árvore. Tenho um livro inteiro
sobre você, mas guardo nas minhas gavetas empoeiradas. Gosto de relê-la, do meu
jeito, ao meu modo. A gente tem uma mania danada de recriar as pessoas,
lugares. E quando tuas folhagens caem em meu jardim, refaço todo o emaranhado
de conexões que vivi e ouvi de ti. É sempre bom. Fico sempre na espera. Aí vem
o vento, tu chacoalhas, range e deixa cair um pouquinho de si. Eu que de bobo,
só o sorriso, corro no quintal, sento-me ao teu pé, na tua sombra e deixo-me
levar. Como são doces, suave e delicados esses meus momentos. Guardo cada um com
enorme carinho, nas minhas caixinhas que ficam em minhas gavetas, como lhe disse.
Sabe de uma coisa? Escrevo todo dia. Pra tu, pra mim. Escrevo pra quem gosto ou
deixo de gostar. E choro sempre que releio. Porque de uma maneira ou outra tudo
isso faz parte de mim, do que fui, do que somos. E carrego um regador pra onde
vou, pois se vejo uma enorme árvore de galhas altas a balançar com o vento, lembro-me
de ti e não me esqueço de aguar. Nunca.
(Leonardo Schneider)
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